O Justo General

O Justo General Francisco Barreto de Menezes e o estabelecimento da comunidade judaica de Nova Iorque

A 26 de Janeiro de 1654, com a vitória alcançada na chamada 2.ª Batalha dos Guararapes, as tropas portuguesas comandadas pelo General Francisco Barreto de Menezes – que a partir de então ficaria conhecido como “o Restaurador de Pernambuco” – reconquistam o Recife com um ataque de proporções épicas, pondo fim ao domínio holandês naquela região do Brasil.

Os termos da rendição, assinados em Taborda, perto do Recife, os vencedores são generosos para com os derrotados, dando aos holandeses um prazo de três meses (que seria prorrogado por mais três) para se retirarem do território recém-conquistado, período durante o qual, segundo os mesmos termos, “não serão molestados ou vexados e serão tratados com respeito e cortesia.” Surpreendentemente, o general Barreto de Menezes mostra uma tolerância muito pouco habitual ao permitir igualmente (ajudando até) a saída dos judeus portugueses, apesar destes terem passado a ficar sob a alçada da Inquisição, o que lhes teria à partida, vedado qualquer possibilidade de clemência. A lei exigia a deportação imediata dos judeus para Portugal.

A 20 de Fevereiro de 1654 os funcionários do tesouro real efectuaram um inventário de todas as casas no Recife e Maurícia anotando os seguintes nomes como “judeus proprietários de casas e lojas”: Jacob Valverde, Moisés Netto, Moisés Zacutto, Jacob Fundão, Moisés Navarro, David Atias, Benjamin de Pina, Abraão de Azevedo, João de Lafaia; Gil Correa, Gabriel Castanha, Gaspar Francisco da Costa, Fernão Martins, Duarte Saraiva e David Brandão. Outras aparecem mencionadas no inventário como “casa de judeus”, mas o nome dos seus proprietários não consta do documento.

Devido à escassez de embarcações holandesas que possibilitassem uma evacuação total, o general Barreto de Menezes ofereceu navios portugueses para transportar os judeus e assim os ajudar a escapar à Inquisição. Este gesto não seria esquecido, e os anais da história judaica portuguesa registam ainda hoje o nome de Francisco Barreto de Menezes, “cristão-velho”, como um homem de nobre carácter – um hassid umot ha’olam (um homem justo e íntegro do mundo).

Ao todo, 16 navios portugueses foram colocados à disposição dos seus compatriotas judeus pelo general Francisco Barreto de Menezes e a esmagadora maioria das cerca de 150 famílias judias do Brasil Holandês partiu em direcção à Holanda. Alguns optaram por ficar nas colónias holandeses nas Caraíbas onde, ainda hoje, a predominância de nomes de família portugueses (e a linguagem litúrgica) entre os judeus sefarditas do Suriname e de Curaçao prova essa ligação ancestral, sobre os descendentes dos judeus portugueses que ainda restam no sertão brasileiro).

A 7 de Setembro de 1654, com 23 judeus portugueses a bordo, o Sainte Catherine aporta a Nieuw Amsterdam, na ilha holandesa de Manhattan, a cidade que mais tarde passaria a ser conhecida como Nova Iorque. Era o primeiro grupo de judeus a chegar a América do Norte.

Nieuw Amsterdam, 1625

Destas vinte e três pessoas – homens, mulheres e crianças – sabe-se hoje muito pouco. São seis famílias, encabeçadas por quatro homens e duas viúvas. Só os seus nomes são mencionados nos registos oficiais. Mesmo assim é fácil adivinhar-lhes a proveniência: Abraão Israel Dias, Moisés Lumbroso, David Israel Faro, Asher Levy, Enrica Nunes e Judite Mercado.

Em 1664, Nieuw Amsterdam passa para a coroa britânica e muda de nome. Dai para a frente será New York. Por volta de 1695, apesar de algumas restrições, os judeus tinham a sua primeira sinagoga improvisada, e a 8 de Abril de 1730 era dedicada a primeira sinagoga de raiz da comunidade que, logo à chegada, em 1654, escolhera o nome de Shearith Israel (Remanescente de Israel). Até ao final do século XIX tiveram duas línguas “sagradas”, ditadas pelo sangue, pela fé e pelo apelo da memória: as orações faziam-se em hebraico e os documentos escreviam-se em português.